As enfermarias dos navios bacalhoeiros eram providas de instrumentos como pinças, agulhas e seringas e também de medicamentos de ordem médica como antibióticos, antipiréticos, analgésicos e algumas vitaminas, como nos refere João Domingues Cruz, antigo enfermeiro no navio-motor Rio Antuã entre 60 e 67, onde era frequente certos medicamentos serem administrados através de injeções para uma maior eficácia e rápida recuperação.
A história da assistência médica à frota bacalhoeira acompanha as alterações políticas e sociais que ocorreram em Portugal durante o século XX. No início do século os armadores nacionais estavam abrangidos pela assistência feita pelos navios franceses, mas em 1923 o Estado Português comissionou o cruzador ‘Carvalho Araújo’ para a primeira viagem de apoio hospitalar à frota bacalhoeira. Segue-se o primeiro ‘Gil Eannes’, antigo navio alemão ‘Lahneck’ capturado no Tejo durante a Iª Guerra Mundial, este navegou sob a bandeira nacional prestado um valioso contributo no apoio humanitário. Com o aumento do número de navios e de tripulações, cresceu também a necessidade de um navio moderno que desse uma resposta médica adequada, desta exigência é construído o navio hospital ‘Gil Eannes’ quem tem o seu bota-abaixo em 1955.
Com a renovação gradual da frota, os navios começaram a ser equipados com espaços para os primeiros cuidados de saúde e a presença de enfermeiros foi-se tornando habitual entre as tripulações. Dos simples curativos em cutícula e água oxigenada feitos pelos imediatos sucederam-se o acompanhamento clínico e operações cirúrgicas feitas por médicos a bordo do navio hospital.
Relata o antigo enfermeiro Adelino Nunes Miguel que a grande maioria dos problemas de saúde dos pescadores era provocada pelos acidentes de trabalho,uma alimentação defeciente em certas vitaminas e as poucas condições de higiene pessoal.
Os pescadores expostos aos elemento e o desgaste pelas longas horas de trabalho debilitava-lhes o sistema imunitário, mas eles ansiavam em recuperar rapidamente para voltar às suas funções, havia uma certa competitividade nesses homens - afirma o antigo enfermeiro. João Domingues Cruz, enfermeiro no navio-motor Rio Antuã entre 60 e 67, lembra-se de que navios eram providos de medicamentos de ordem médica como antibióticos, antipiréticos, analgésicos e algumas vitaminas, tudo isto para dar uma resposta capaz a situações deveras complicadas.
José Domingos Matias Marçalo, antigo pescador, assim descreve como era o apoio médico em alto mar: «O Neptuno levava a bordo um médico e um enfermeiro e quando se precisava lá íamos, quer-se dizer, os enfermeiros eram o desenrasca porque estavam ali, porque tínhamos por lá perto o navio Gil Eannes. Mas quando íamos ao enfermeiro dizia ele: O que é que te dói? E era: Toma lá uma injeção, ou toma lá um comprimido.»
Caso grave recorda-se o antigo pescador Emídio Laurindo de Sousa, de uma vez estávamos nós na Terra Nova e pescamos durante vinte e tal dias, e isso era muito cansativo e eu adoeci. E tive que ir para o Gil Eannes e estive lá três dias. Foi bem tratado, e quando já estava bom vieram-me trazer ao navio.
José Ferreira de Araújo, antigo pescador do Argus, menciona com um certo orgulho de não ter ficado doente mas lembra-se de uma vez foi tratar de um dedo que estava ferido e que tinha infectado e da outra vez foi para arrancar um dente, foram as duas vezes que estive no Gil Eannes. Outra das condição de saúde que chegou a levar vários pescadores a necessitarem de apoio médico era a remoção de dentes. João Domingues Cruz recorda-se de que era o seu colega no Gil Eannes o enfermeiro chefe Francisco Fernandes Bichão que tinha as funções de dentista.
José Domingos Matias Marçalo recorda como foi feita a extração dentária: «Foi lá uma vez arrancar um dente, fosga-se! Lá ia eu cheio de coragem, mas foi de anestesia. Mas quando chegou o enfermeiro, que era daqui de Vila Verde, virou-se para mim e disse-me que da primeira vez era a sangue frio. Embora cheio de coragem ainda tenho medo... Estava lá e tal e chegou a minha vez, foi logo injecção. Andei todo a tremer com os dente. A agulha até metia medo. Só sei que me arrancou logo dente, já nem sentia nada. Com tanta coisa que andou ali nos dentes que já não sentia nada. Já nem sabia se tinha dentes. No Gil Eannes foi só isto.»
Em suma, as injeções por motivos de acidente ou por doença são recordadas por alguns dos homens que tiveram apoio médico em alto mar, outros há que recordam as injeções que tomavam antes de embarcarem e outros antes de porem os pés na gronelândia. Em todos os casos, o acompanhamento clínico das tripulações foi tendo um incremento ao longo dos anos de modo que a saúde a bordo foi sendo encarada como indispensável para o bem estar dos homens.
Foto: Jornal do Pescador, Julho de 1955
Fontes:
Entrevistas do Arquivo de Memórias da Pesca do Bacalhau. Museu Marítimo de Ílhavo.
MARQUES, João David Batel - A Pesca do Bacalhau - História, Gentes e Navios - A História e as Gentes. Tomo I. Viana do Castelo, 2018.
Museu Marítimo de Ílhavo. Navio Lahneck. Disponível em: http://homensenaviosdobacalhau.cm-ilhavo.pt/header/navios/show/278 Em: 25 de Setembro de 2020
Museu Marítimo de Ílhavo. Navio Gil Eannes. Disponível em: http://homensenaviosdobacalhau.cm-ilhavo.pt/header/navios/show/277 Em: 25 de Setembro de 2020
Museu Marítimo de Ílhavo. Navio Neptuno. Disponível em: http://homensenaviosdobacalhau.cm-ilhavo.pt/header/navios/show/138 Em: 25 de Setembro de 2020